POW WOW DE FÉS





  • Por negação determinada, entende-se a negação de um determinado Deus, de uma certa imagem de Deus. Foi o que Saramago fez. Como podia ele ou alguém intelectualmente honesto aceitar um deus cruel e sanguinário?

    No Caim, é essa imagem do deus violento e arbitrário que denuncia. Não é de facto a Bíblia judaica, no dizer do exegeta católico Norbert Lohfink, "um dos livros mais cheios de sangue da lite...
      exegeta católico Norbert Lohfink, "um dos livros mais cheios de sangue da literatura mundial"? De qualquer modo, o nome de Deus foi demasiadas vezes invocado para legitimar a violência e o derramamento de sangue de inocentes.

    É certo que no Novo Testamento, na única tentativa de "definir" Deus, se diz que "Deus é amor incondicional". Mas também há acenos para uma interpretação sacrificial da morte de Cristo, teorizada sobretudo por santo Anselmo e desde então muito pregada: Deus precisou da morte do seu próprio Filho, para reparar a ofensa infinita cometida pelos homens e assim reconciliar-se com a humanidade. Ora, precisamente perante esta concepção sacrificial da sua morte como preço do resgate do pecado, como não entender a inversão da oração de Cristo na Cruz? Onde, no Evangelho, se diz: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem", lê-se, em Saramago: "Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez".

    A negação determinada não significa negação real. A pergunta é, portanto, se Saramago negou realmente Deus ou se, pelo contrário, na negação do deus arbitrário e sanguinário, não está dialecticamente presente o clamor pelo único Deus verdadeiro, o do Anti-mal. De qualquer modo, segundo Saramago, "Deus é o silêncio do universo, e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio". "Esta definição de Saramago é a mais bela que alguma vez li ou ouvi", escreveu o teólogo Juan José Tamayo.



  • Quem, no meu entender, melhor escreveu sobre o ceticismo foi Eduardo Lourenço. Entre outras coisas, porque introduziu
     o pensar sobre o ateísmo até ao limite. "O que designamos por 'ateísmo', na sua literal acepção, significa, geralmente,
    mais do que o seu conteúdo dialecticamente negativo. Denota um relacionamento de grau nulo com o referente Deus.

     É tão impensável ou inacessível na sua ordem como...

     É tão impensável ou inacessível na sua ordem como a pura transcendência, que é conteúdo real ou imaginário de Deus. Ser ateu é só ser e estar 'sem Deus'. Perspectiva tão vertiginosa como a que a referência a Deus assinala, sob o modo de uma

     'ausência' tão impensável como a de Deus e não menos 'abscôndita', só que mais dolorosa, que a da presença das presenças."

    Segundo a tradição e na modernidade, "considerou-se ateu e deve assim ser considerado o sujeito para quem 'o nome' e, sob ele, 
    a mesma ideia de Deus - não o conceito - não tem sentido algum." Mas não haveria mais motivo para designar como "ateu" quem "tivesse a pretensão de o objectivar, ou de conceber claramente, o que ele mesmo chama Deus"? Afinal, verdadeiramente ateus não seriam precisamente "os chamados teólogos, pelo menos os clássicos - anteriores a Karl Barth -, que sabiam tudo de Deus,
     ou que sabem tudo de Deus"?
    Exceptuando os místicos, é raríssimo o crente que se apercebe de que perante Deus só o silêncio é que diz, pois, no limite, 
    Deus é nada do que dele o linguajar humano possa dizer. Ouvi uma vez a Jacques Lacan: "os teólogos não crêem em Deus, porque falam dele". E também Karl Barth, o maior teólogo protestante do século XX, disse que conhecia muito bem um certo ateu:
     justamente Karl Barth.
    Há dois modos de negação de Deus: a negação real e a negação determinada.







  • Reflexão sobre religiões proféticas, abraâmicas, monoteístas.

    Continuo a reflexão sobre as religiões mundiais. Agora, sobre as religiões proféticas, abraâmicas, monoteístas.
    Em primeiro lugar, o judaísmo. Quantos cristãos se lembram de que Jesus era judeu e de que os primeiros discípulos também? 
    Não se pode esquecer o que há de comum entre judaísmo e cristianismo. Também o cristão acredita em um ...

    Também o cristão acredita em um só Deus, o Deus criador e consumador do mundo e da história, em quem o homem pode, com razões, pôr a sua confiança. Também aceita a Bíblia Hebraica ("Antigo Testamento") e reza os Salmos. Também o cristão está vinculado por uma ética da justiça e da promoção da paz, na base do amor de Deus e do próximo. Como disse Thomas Mann, referindo-se aos Dez Mandamentos, eles são "manifestação fundamental e 
    rocha da decência humana", "o ABC da conduta humana".
    Há hoje 1300 milhões de muçulmanos, seguindo o Profeta Maomé, que está na base do islão. Como os judeus e 
    os cristãos, os muçulmanos crêem num só Deus, o criador misericordioso, providente e juiz da História. Mas, enquanto para os judeus o centro é constituído por Israel como povo e terra de Deus e para os cristãos central é Jesus Cristo como Messias e Filho de Deus, esse centro para os muçulmanos é o Alcorão como palavra e livro de Deus. Ele é o livro vivo e sagrado para os muçulmanos em todo o mundo. Nele, encontram o seu modelo de vida, de que fazem parte os chamados cinco pilares do islão: acreditar que Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta; rezar cinco vezes ao dia; auxiliar os pobres; 
    jejuar durante o mês do Ramadão; ir em peregrinação a Meca uma vez na vida.
    E o modelo cristão? O fundamento da espiritualidade cristã não se encontra em dogmas por vezes 
    incompreensíveis ou em sublimes mandamentos morais nem numa grande teoria ou num sistema eclesiástico. O modelo de vida cristão é pura e simplesmente Jesus de Nazaré como o Messias, o Cristo, o Ungido e Enviado de Deus. Na vida e na morte, o fundamento da autêntica espiritualidade cristã é Jesus Cristo, um desafio vivo para a nossa relação com os homens e com o próprio Deus, orientação e critério para mais de 2 mil milhões de seres humanos em todo o mundo. Cristão é aquele ou aquela que na sua vida e também na morte se esforça por orientar-se na prática por este Jesus Cristo e o seu Evangelho do Reino de Deus. A cruz só se entende à luz da sua vida e dos conflitos que criou. Mas os cristãos são transportados pela convicção de fé de que a sua morte não foi o fim: a ressurreição significa que Jesus está em Deus, que morreu não para o nada, mas para a Realidade mais real, isto é, foi recebido na vida eterna de Deus. Ele é, assim, o modelo 
    cristão de vida em pessoa.
    Logo a partir desta experiência existencial resulta que nenhuma religião se pode considerar como a única via 
    de salvação. Quem poderia reclamar esse privilégio? Pelo contrário, percebe-se que as religiões, agora do ponto de vista teológico, em vez do confronto precisam de entrar no diálogo, corrigir-se e enriquecer-se mutuamente, colaborar.


    • Gostas disto.



  • O confucionismo não é tanto uma religião no sentido ocidental da palavra como sobretudo uma moral, baseada no equilíbrio cósmico e procurando a integração social. O Todo divino da Realidade é simbolizado pelo Céu imutável e os antepassados, que exprimem a permanência da Vida. Confúcio foi o primeiro na história da humanidade a formular a regra de ouro: "Não faças aos outros o que não queres que te...




  • Qualquer pessoa verdadeiramente religiosa já alguma vez disse para si mesma: se tivesse nascido noutro continente, de
    uma família de outra religião, muito provavelmente a minha pertença religiosa seria outra. Na Índia, seria hindu. Em Marrocos
     ou na Indonésia, muçulmano. Em Israel, de mãe judaica, seguiria o judaísmo. Na China, seria confucianista ou taoísta. No Japão,

     xintoísta. Na Europa, em Por...

     "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". A sua moral assenta no equilíbrio cósmico, político e familiar, no quadro de um organicismo vital, hierárquico e polar: soberano-súbditos, homem-mulher, pais-filhos, irmãos mais velhos-irmãos mais novos.

    Ocupa lugar central o culto dos antepassados, associados ao Céu.

    O taoísmo, radicado em Lao-tsé, estrutura-se no quadro de uma concepção da Realidade como harmonia de contrários.
     É bem conhecido o pictograma do Tao, um círculo e esfera perfeitos que tudo contêm, estando as suas duas metades - uma clara, outra escura, Yang (céu, masculino) e Yin (terra, feminina) - em movimento constante e exprimindo o Todo num equilíbrio de 
    momentos polares.
    Sem diálogo entre as religiões, não haverá paz entre as nações. Para dialogar, é preciso conhecer.



    Qualquer pessoa verdadeiramente religiosa já alguma vez disse para si mesma: se tivesse nascido noutro continente, de uma família de outra religião, muito provavelmente a minha pertença religiosa seria outra. Na Índia, seria hindu. Em Marrocos ou na Indonésia, muçulmano. Em Israel, de mãe judaica, seguiria o judaísmo. Na China, seria confucianista ou taoísta. No Japão, xintoísta.
    Na Europa, em Por...

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